Última atualização desse post: 20/06/2022
Esse post é para ajudar você que precisa orçar uma obra de cob (seja como contratante ou contratado) e gostaria de ter algumas dicas. Ele não é um modelo definitivo – como nada é – e inclusive está aberto para sugestões. É o modelo que eu tenho feito e que tem funcionado, mas nunca tinha parado para sistematizar em um texto.
Aqui abaixo está um projeto real que fui contratada para construir e que vou usar como exemplo:
A primeira coisa que eu gostaria de comentar é que essa foi a primeira vez que tive o alento de receber um projeto com as medidas detalhadas para poder orçar com mais segurança e precisão. Ainda é comum, em obras de bioconstrução, receber propostas sem esses dados essenciais. Esse quarto foi projetado por profissionais de arquitetura, e a contratante me enviou o projeto detalhado. Se no seu caso você não tem um projeto ou arquiteta/o envolvida/o, esse texto pode te ajudar a pensar nesses aspectos para chegar aos desejados números da obra.
Existem basicamente três gastos que a/o contratante vai ter que arcar: os materiais, a mão-de-obra e as ferramentas. É comum haver outros gastos: deslocamento, hospedagem e alimentação da equipe, caso ela more temporariamente no local durante a obra – mas esses gastos não vão ser tratados aqui.
Aqui vai o passo-a-passo que eu faço para orçar uma obra de cob:
1 – Custo dos materiais
a) Altura da parede
A altura é a primeira informação que eu peço sobre a parede. Por quê? Porque uma parede de cob é geralmente construída em nível, e pode ser subida em média até 40cm por dia – se você souber que você vai ter que subir 2 metros de cob no total, você já sabe que a obra não vai levar menos de 5 dias. Já é um começo.
No caso dessa parede, a altura varia pois o telhado acima é um plano que tem um caimento. Nesse caso, eu faço a média entre a parte mais alta e a mais baixa para usar nos cálculos. Aqui deu a média de 3,15m de altura (3,40m a parte mais alta e 2,90m a mais baixa).
b) Altura da fundação (em relação ao piso interno!)
Em segundo lugar, busco saber a altura da fundação em relação ao piso. Na maioria das obras, a fundação é mais alta que o nível do piso interno. Subtraia a altura da fundação – que digamos seja de 40cm – da altura média da sua parede, pois é essa a real altura que você vai subir de cob.
Esse meu caso é uma exceção, pois a fundação termina no nível do piso – ele é aterrado e está bem acima do solo externo. Por isso, não vou subtrair nenhum valor e vou seguir levando em conta a altura média de 3,10m.
Não cometa o erro de apenas perguntar a altura da fundação sem se certificar que essa altura é a partir do nível do piso interno – eu já cometi esse erro e tive que construir uma altura maior do que o esperado depois.
c) Largura média da parede
Saber essas alturas anteriores são um grande passo para estimar a largura média da parede. Eu chamo de média porque a largura de uma parede de cob varia da base até o topo, pois no processo de esculpir com a mão, a parede tende a afunilar uns 5 cm a cada 90 cm. É possível, sim, construir uma parede de cob sem afunilar – mas como não é o que acontece naturalmente na construção com as mãos, leva mais tempo de trabalho para manter esse prumo reto e mais material necessário. Eu nunca conheci ninguém que construa com cob assim e também nunca fiz, mas caso o contratante quisesse eu cobraria a mais por esse trabalho.
É recomendado que o topo da parede de cob tenha pelo menos 20cm de largura. Sabendo disso e sabendo a altura média da parede, pode-se determinar a largura da base da parede adicionando 5cm de largura cada 90cm de altura para baixo. Segue uma ilustração desse meu caso:
Essa é a linha de raciocínio: uma parede de 3,15m de altura (média) e 20cm de largura no topo gerou uma largura da sua base de cerca de 37cm. Logo, sua largura média é de 28,5cm (média entre 20 e 37).
Claro que a parte mais alta dessa parede é de 3,40m e não 3,15m – mas a minha escolha nos cálculos é usar a altura média para estimativas. Não há problema nisso, pois esses últimos 25cm que terão a mais na parte mais alta podem ser subidos sem afunilar, terminando com os mesmos 20cm de largura.
d) Comprimento da parede
Essa é fácil, já está no projeto. O comprimento da parede é de 11,88m.
e) Área das janelas (e portas, se tiver)
Aqui a área total das janelas deu 4,8m² e não há portas. Para estimar o metro cúbico a menos de cob que isso significa, multiplico esse valor pela largura média da parede (0,285m), que deu 1,32m³.
f) Agora podemos saber a quantidade de material necessário!
Esse foi o cálculo: 11,88m x 3,15m x 0,285 = 10,6m³ de cob. Subtraindo o volume das janelas (1,32m³), ficou no total 9,3m³ de cob. Na minha estimativa, os materiais ficaram assim:
- 4,6m³ de areia (50%)
- 3,3m³ de terra argilosa (35%)
- 1,4m³ de palha comprimida (15%)*
Importante: Isso é uma estimativa dos materiais necessários antes de ser feita a testagem no local. Esses números podem variar na hora da prática, pois você realmente vai conhecer os materiais locais quando for construir. Eles servem para você ter uma ideia aproximada do quanto se vai gastar com materiais ou do quanto se vai coletar no local. Na maior parte das obras que participei, a areia foi comprada e a terra argilosa foi coletada localmente.
*Pode parecer pouca palha, mas essa quantidade é considerando a densidade de uma palha enfardada – e não amontoada, como geralmente conseguimos no Brasil. A palha é o material mais difícil de quantificar, pois na verdade não a medimos por metro cúbico e nem por baldes como fazemos com terra e areia. Peça o máximo de palha que a pessoa conseguir localmente, se sobrar vai ser útil para outras coisas. Aqui no Brasil tem-se usado palha de braquiária com sucesso em casas de cob, ainda não sendo tão forte e térmica quanto a de arroz ou aveia.
Digamos que, nesse caso, só a areia vai ser comprada. Se o metro cúbico custar R$150 com a entrega inclusa, daria uns R$750 de custo com material comprando 5m³ e provavelmente sobrando depois.
Uma ótima maneira de economizar tempo e material é embutir pedras, tocos de árvores ou pedaços de madeira dentro do cob – isso se houver por perto e valer a pena coletar. É quase impossível estimar o quanto isso vai economizar de fato, mas pode dar mais segurança de que o material comprado não vai terminar no meio da obra. Montes de entulho com pedaços de concreto ou tijolos velhos são minas de ouro para quem quer acelerar uma obra de cob. Para saber mais, leia esse post.
2 – Custo da mão-de-obra
Tendo os materiais já estimados, como estimar as diárias?
Nesse meu caso, pelas condições oferecidas e número de pessoas trabalhando na obra, eu estimei que conseguimos levantar 40cm de cob por dia. Só que o cob dá uma encolhida quando seca e imprevistos acontecem, então é melhor considerar cerca de 30cm por dia*. Pegando da parte mais alta da parede (340cm) e dividindo por 30cm, dão uns 11 dias – arredondei para 12 dias. Ou seja, além do custo do material comprado, agrega-se no mínimo esse custo de 12 dias de trabalho da equipe.
*Se você achar que as condições da obra (equipe com poucas pessoas, contratantes desorganizados em relação às necessidades da obra, chuvas, clima extremamente quente ou frio, etc) vão fazer ela fluir mais devagar, pode ser prudente estimar 20cm de cob por dia. Como não era o meu caso, considerei 30cm mesmo.
Por experiência, recomendo agregar um dia a mais para no primeiro dia fazer as primeiras misturas e ir conhecendo a terra local para definir a proporção que será usada no obra. Assim você consegue fazer esse estudo importante sem pressa de subir parede e bater meta diária. Se o contratante não achar demais, pode agregar mais um segundo dia para organização do fluxo da obra e do espaço. Sempre surge algo – talvez a palha não tenha sido cortada, ou o monte de areia/terra não está tão perto assim da obra, ou tenha que comprar algum material que faltou, enfim…
Também vale a pena agregar mais meia diária (ou uma, dependendo do tamanho da obra) para entregar tudo arrumadinho e organizado. Não precisa ser a equipe inteira nisso, pra não ficar caro pra quem contratou. Converse com a pessoa se ela quer que façam a limpeza do terreno depois e estime. Outra coisa importante é levar em conta instalação de janelas e portas – você vai fazer ou isso fica com um empreiteiro? Estantes embutidas no cob, desenhos com garrafas, nichos, tudo isso leva um tempo a mais.
Se o telhado da casa vai ser erguido antes por um empreiteiro, melhor pra você pois estará protegida/o da chuva e nao vai precisar ficar cobrindo a parede com lonas no final do dia. Se o telhado vem depois, considere aumentar um pouco as diárias pois o tira-e-bota das lonas leva mais tempo do que parece no total.
Se você tem o sonho de construir pisando no cob com os pés nus, talvez tenha que tirar o cavalinho da chuva. Se a terra coletada tiver pedras, elas vão machucar seus pés no pisoteio. Se você quiser peneirá-la pra pode pisar sem se machucar, isso vai agregar muito tempo na obra, talvez quase o dobro (sério). Melhor investir em botas de PVC para isso. Mas se você tiver sorte, a terra pode não ter pedras e você vai poder pisar sem botas e sem peneirar.
Se o clima nos dias de obra não tiver sol ou for muito úmido, as paredes vão demorar mais pra secar e embarrigar mais sob o peso das camadas de cob do dia seguinte – mais trabalho de lapidação. E sem sol ou tempo seco, você também vai ter que fazer uma mistura de cob mais seca, que demanda mais esforço corporal do que fazer uma mistura mais molhada (que com o sol logo fica mais sequinha pra pode ser aplicada na parede). Em resumo, em tempos com sol tudo fica mais fácil. Você pode preferir trabalhar menos horas por dia num inverno frio e com dias mais curtos. Considere o clima.
Bom, se você estivesse nesse meu caso saberia que poderia concluir 12 dias de construção + 2 dias de preparação + 1 dia de organização e limpeza do terreno na entrega. E poderia colocar alguns dias a mais se houver alguma circunstância desfavorável como as que citei acima. Pode ser tentador estimar pra menos pra não assustar o contratante com os preços, eu já fiz isso diversas vezes. Mas é mais sábio estimar pra um pouco mais do que pra menos, porque toda obra dá imprevistos e você não quer atrasar o prazo combinado.
Se você vai coordenar a equipe, faz sentido sua diária ser maior do que as pessoas que também vão construir mas não estão como responsáveis pela obra. Essa é a minha opinião, e sei que muitos discordam e se sentem mais à vontade com todo mundo ganhando a mesma diária. Eu sou da linha de pensamento que quem tem maior responsabilidade deveria ter como recompensa um pagamento maior. Mas enfim, é só o meu ponto de vista. Se não houver ninguém coordenando e as decisões forem horizontais (boa sorte), faz sentido todos ganharem a mesma coisa.
Dizer aqui quantas pessoas precisam pra trabalhar na obra é bem complicado e renderia um capítulo de texto só para isso, pois é um estudo de caso pra cada… caso. Mas eu recomendo nunca trabalhar com menos de 4 pessoas numa obra. Considere que numa obra de cob fluída, há pessoas simultaneamente carregando baldes para a mistura, outras preparando a mistura e outras aplicando cob na parede. E também vai ter a lapidação das paredes no dia seguinte da aplicação, pois todo cob embarriga um pouco. Planeje ter esse fluxo contínuo para que sua obra renda.
Vamos supor que: você estimou 15 dias, vai coordenar a obra com uma diária de R$200 com mais cinco pessoas com uma diária de R$150 cada. No total, seriam R$14.250. Ou seja, com o valor dos materiais a estimativa dessa obra de cob sairia por R$15.000. Ou seja, nesse caso 95% do valor total seria mão-de-obra e apenas 5% com materiais.* É por isso que quem decide fazer sua própria casa de terra sozinha/o não gasta quase nada, mas no mercado já não é bem assim.
*Esses não são os valores da obra real que realizei, é uma simulação de um valor com outros acordos e número de pessoas trabalhando.
3 – Custo das ferramentas
Naquele valor acima eu nem incluí o valor das ferramentas, mas é que não daria nem 1% do orçamento e talvez a pessoa já tenha. Uma obra de cob não precisa de grande infraestrutura de ferramentas, a não ser que você queira alugar uma retroescavadeira ou betoneira para fazer misturas – mas nisso eu não tenho experiência pra relatar. O que uma obra de cob comum precisa é basicamente:
- Lonas fortes 2x2m ou 3x3m (muito importante não serem finas pra não rasgar, quanto mais micras melhor)
- Baldes resistentes, aqueles de inox são ótimos
- Facões (para lapidar as paredes e cortar palha)
- Tocos ou tábuas para cortar a palha
- Peneiras (se tiver que penerar a terra por algum motivo)
- Botas de PVC (pra pisar uma terra não-peneirada)
- Pás (é excelente também ter pás de corte para a lapidação das paredes)
- Enxadas
- Níveis
- Carrinho de mão
- Luvas emborrachadas
- Escadas e andaimes
- Acesso a uma torneira de água bem ao lado da obra
Ao invés das “tradicionais” lonas, vocês podem investir em piscinas de plástico ou qualquer grande recipiente para misturar uma grande quantidade de cob de uma vez, pisoteando bastante a mistura bem molhada. Ela não vai poder ser aplicada no mesmo dia, mas assim que dar uma secada vai ter valido muito a pena e vai render mais do que as trabalhosas lonas…
Importante: certifique-se de que os materiais necessários para fazer o cob estarão BEM PERTINHO da obra e que tenham acesso a uma torneira de água no local. Se não, metade da obra vai virar carregar balde pesado.
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