Dicas para orçar e organizar uma obra de cob

Última atualização desse post: 20/06/2022

Esse post é para ajudar você que precisa orçar uma obra de cob (seja como contratante ou contratado) e gostaria de ter algumas dicas. Ele não é um modelo definitivo – como nada é – e inclusive está aberto para sugestões. É o modelo que eu tenho feito e que tem funcionado, mas nunca tinha parado para sistematizar em um texto.

Aqui abaixo está um projeto real que fui contratada para construir e que vou usar como exemplo:

A primeira coisa que eu gostaria de comentar é que essa foi a primeira vez que tive o alento de receber um projeto com as medidas detalhadas para poder orçar com mais segurança e precisão. Ainda é comum, em obras de bioconstrução, receber propostas sem esses dados essenciais. Esse quarto foi projetado por profissionais de arquitetura, e a contratante me enviou o projeto detalhado. Se no seu caso você não tem um projeto ou arquiteta/o envolvida/o, esse texto pode te ajudar a pensar nesses aspectos para chegar aos desejados números da obra.

Existem basicamente três gastos que a/o contratante vai ter que arcar: os materiais, a mão-de-obra e as ferramentas. É comum haver outros gastos: deslocamento, hospedagem e alimentação da equipe, caso ela more temporariamente no local durante a obra – mas esses gastos não vão ser tratados aqui.

Aqui vai o passo-a-passo que eu faço para orçar uma obra de cob:

1 – Custo dos materiais

a) Altura da parede

A altura é a primeira informação que eu peço sobre a parede. Por quê? Porque uma parede de cob é geralmente construída em nível, e pode ser subida em média até 40cm por dia – se você souber que você vai ter que subir 2 metros de cob no total, você já sabe que a obra não vai levar menos de 5 dias. Já é um começo.

No caso dessa parede, a altura varia pois o telhado acima é um plano que tem um caimento. Nesse caso, eu faço a média entre a parte mais alta e a mais baixa para usar nos cálculos. Aqui deu a média de 3,15m de altura (3,40m a parte mais alta e 2,90m a mais baixa).

b) Altura da fundação (em relação ao piso interno!)

Em segundo lugar, busco saber a altura da fundação em relação ao piso. Na maioria das obras, a fundação é mais alta que o nível do piso interno. Subtraia a altura da fundação – que digamos seja de 40cm – da altura média da sua parede, pois é essa a real altura que você vai subir de cob.

Esse meu caso é uma exceção, pois a fundação termina no nível do piso – ele é aterrado e está bem acima do solo externo. Por isso, não vou subtrair nenhum valor e vou seguir levando em conta a altura média de 3,10m.

Não cometa o erro de apenas perguntar a altura da fundação sem se certificar que essa altura é a partir do nível do piso interno – eu já cometi esse erro e tive que construir uma altura maior do que o esperado depois.

c) Largura média da parede

Saber essas alturas anteriores são um grande passo para estimar a largura média da parede. Eu chamo de média porque a largura de uma parede de cob varia da base até o topo, pois no processo de esculpir com a mão, a parede tende a afunilar uns 5 cm a cada 90 cm. É possível, sim, construir uma parede de cob sem afunilar – mas como não é o que acontece naturalmente na construção com as mãos, leva mais tempo de trabalho para manter esse prumo reto e mais material necessário. Eu nunca conheci ninguém que construa com cob assim e também nunca fiz, mas caso o contratante quisesse eu cobraria a mais por esse trabalho.

É recomendado que o topo da parede de cob tenha pelo menos 20cm de largura. Sabendo disso e sabendo a altura média da parede, pode-se determinar a largura da base da parede adicionando 5cm de largura cada 90cm de altura para baixo. Segue uma ilustração desse meu caso:

Erratas: aqui no desenho eu coloquei 40cm abaixo, mas é 45cm. Ao invés de “prof.” média, largura.

Essa é a linha de raciocínio: uma parede de 3,15m de altura (média) e 20cm de largura no topo gerou uma largura da sua base de cerca de 37cm. Logo, sua largura média é de 28,5cm (média entre 20 e 37).

Claro que a parte mais alta dessa parede é de 3,40m e não 3,15m – mas a minha escolha nos cálculos é usar a altura média para estimativas. Não há problema nisso, pois esses últimos 25cm que terão a mais na parte mais alta podem ser subidos sem afunilar, terminando com os mesmos 20cm de largura.

d) Comprimento da parede

Essa é fácil, já está no projeto. O comprimento da parede é de 11,88m.

e) Área das janelas (e portas, se tiver)

Aqui a área total das janelas deu 4,8m² e não há portas. Para estimar o metro cúbico a menos de cob que isso significa, multiplico esse valor pela largura média da parede (0,285m), que deu 1,32m³.

f) Agora podemos saber a quantidade de material necessário!

Esse foi o cálculo: 11,88m x 3,15m x 0,285 = 10,6m³ de cob. Subtraindo o volume das janelas (1,32m³), ficou no total 9,3m³ de cob. Na minha estimativa, os materiais ficaram assim:

  • 4,6m³ de areia (50%)
  • 3,3m³ de terra argilosa (35%)
  • 1,4m³ de palha comprimida (15%)*

Importante: Isso é uma estimativa dos materiais necessários antes de ser feita a testagem no local. Esses números podem variar na hora da prática, pois você realmente vai conhecer os materiais locais quando for construir. Eles servem para você ter uma ideia aproximada do quanto se vai gastar com materiais ou do quanto se vai coletar no local. Na maior parte das obras que participei, a areia foi comprada e a terra argilosa foi coletada localmente.

*Pode parecer pouca palha, mas essa quantidade é considerando a densidade de uma palha enfardada – e não amontoada, como geralmente conseguimos no Brasil. A palha é o material mais difícil de quantificar, pois na verdade não a medimos por metro cúbico e nem por baldes como fazemos com terra e areia. Peça o máximo de palha que a pessoa conseguir localmente, se sobrar vai ser útil para outras coisas. Aqui no Brasil tem-se usado palha de braquiária com sucesso em casas de cob, ainda não sendo tão forte e térmica quanto a de arroz ou aveia.

Digamos que, nesse caso, só a areia vai ser comprada. Se o metro cúbico custar R$150 com a entrega inclusa, daria uns R$750 de custo com material comprando 5m³ e provavelmente sobrando depois.

Uma ótima maneira de economizar tempo e material é embutir pedras, tocos de árvores ou pedaços de madeira dentro do cob – isso se houver por perto e valer a pena coletar. É quase impossível estimar o quanto isso vai economizar de fato, mas pode dar mais segurança de que o material comprado não vai terminar no meio da obra. Montes de entulho com pedaços de concreto ou tijolos velhos são minas de ouro para quem quer acelerar uma obra de cob. Para saber mais, leia esse post.

2 – Custo da mão-de-obra

Tendo os materiais já estimados, como estimar as diárias?

Nesse meu caso, pelas condições oferecidas e número de pessoas trabalhando na obra, eu estimei que conseguimos levantar 40cm de cob por dia. Só que o cob dá uma encolhida quando seca e imprevistos acontecem, então é melhor considerar cerca de 30cm por dia*. Pegando da parte mais alta da parede (340cm) e dividindo por 30cm, dão uns 11 dias – arredondei para 12 dias. Ou seja, além do custo do material comprado, agrega-se no mínimo esse custo de 12 dias de trabalho da equipe.

*Se você achar que as condições da obra (equipe com poucas pessoas, contratantes desorganizados em relação às necessidades da obra, chuvas, clima extremamente quente ou frio, etc) vão fazer ela fluir mais devagar, pode ser prudente estimar 20cm de cob por dia. Como não era o meu caso, considerei 30cm mesmo.

Por experiência, recomendo agregar um dia a mais para no primeiro dia fazer as primeiras misturas e ir conhecendo a terra local para definir a proporção que será usada no obra. Assim você consegue fazer esse estudo importante sem pressa de subir parede e bater meta diária. Se o contratante não achar demais, pode agregar mais um segundo dia para organização do fluxo da obra e do espaço. Sempre surge algo – talvez a palha não tenha sido cortada, ou o monte de areia/terra não está tão perto assim da obra, ou tenha que comprar algum material que faltou, enfim…

Também vale a pena agregar mais meia diária (ou uma, dependendo do tamanho da obra) para entregar tudo arrumadinho e organizado. Não precisa ser a equipe inteira nisso, pra não ficar caro pra quem contratou. Converse com a pessoa se ela quer que façam a limpeza do terreno depois e estime. Outra coisa importante é levar em conta instalação de janelas e portas – você vai fazer ou isso fica com um empreiteiro? Estantes embutidas no cob, desenhos com garrafas, nichos, tudo isso leva um tempo a mais.

Se o telhado da casa vai ser erguido antes por um empreiteiro, melhor pra você pois estará protegida/o da chuva e nao vai precisar ficar cobrindo a parede com lonas no final do dia. Se o telhado vem depois, considere aumentar um pouco as diárias pois o tira-e-bota das lonas leva mais tempo do que parece no total.

Se você tem o sonho de construir pisando no cob com os pés nus, talvez tenha que tirar o cavalinho da chuva. Se a terra coletada tiver pedras, elas vão machucar seus pés no pisoteio. Se você quiser peneirá-la pra pode pisar sem se machucar, isso vai agregar muito tempo na obra, talvez quase o dobro (sério). Melhor investir em botas de PVC para isso. Mas se você tiver sorte, a terra pode não ter pedras e você vai poder pisar sem botas e sem peneirar.

Se o clima nos dias de obra não tiver sol ou for muito úmido, as paredes vão demorar mais pra secar e embarrigar mais sob o peso das camadas de cob do dia seguinte – mais trabalho de lapidação. E sem sol ou tempo seco, você também vai ter que fazer uma mistura de cob mais seca, que demanda mais esforço corporal do que fazer uma mistura mais molhada (que com o sol logo fica mais sequinha pra pode ser aplicada na parede). Em resumo, em tempos com sol tudo fica mais fácil. Você pode preferir trabalhar menos horas por dia num inverno frio e com dias mais curtos. Considere o clima.

Bom, se você estivesse nesse meu caso saberia que poderia concluir 12 dias de construção + 2 dias de preparação + 1 dia de organização e limpeza do terreno na entrega. E poderia colocar alguns dias a mais se houver alguma circunstância desfavorável como as que citei acima. Pode ser tentador estimar pra menos pra não assustar o contratante com os preços, eu já fiz isso diversas vezes. Mas é mais sábio estimar pra um pouco mais do que pra menos, porque toda obra dá imprevistos e você não quer atrasar o prazo combinado.

Se você vai coordenar a equipe, faz sentido sua diária ser maior do que as pessoas que também vão construir mas não estão como responsáveis pela obra. Essa é a minha opinião, e sei que muitos discordam e se sentem mais à vontade com todo mundo ganhando a mesma diária. Eu sou da linha de pensamento que quem tem maior responsabilidade deveria ter como recompensa um pagamento maior. Mas enfim, é só o meu ponto de vista. Se não houver ninguém coordenando e as decisões forem horizontais (boa sorte), faz sentido todos ganharem a mesma coisa.

Dizer aqui quantas pessoas precisam pra trabalhar na obra é bem complicado e renderia um capítulo de texto só para isso, pois é um estudo de caso pra cada… caso. Mas eu recomendo nunca trabalhar com menos de 4 pessoas numa obra. Considere que numa obra de cob fluída, há pessoas simultaneamente carregando baldes para a mistura, outras preparando a mistura e outras aplicando cob na parede. E também vai ter a lapidação das paredes no dia seguinte da aplicação, pois todo cob embarriga um pouco. Planeje ter esse fluxo contínuo para que sua obra renda.

Vamos supor que: você estimou 15 dias, vai coordenar a obra com uma diária de R$200 com mais cinco pessoas com uma diária de R$150 cada. No total, seriam R$14.250. Ou seja, com o valor dos materiais a estimativa dessa obra de cob sairia por R$15.000. Ou seja, nesse caso 95% do valor total seria mão-de-obra e apenas 5% com materiais.* É por isso que quem decide fazer sua própria casa de terra sozinha/o não gasta quase nada, mas no mercado já não é bem assim.

*Esses não são os valores da obra real que realizei, é uma simulação de um valor com outros acordos e número de pessoas trabalhando.

3 – Custo das ferramentas

Naquele valor acima eu nem incluí o valor das ferramentas, mas é que não daria nem 1% do orçamento e talvez a pessoa já tenha. Uma obra de cob não precisa de grande infraestrutura de ferramentas, a não ser que você queira alugar uma retroescavadeira ou betoneira para fazer misturas – mas nisso eu não tenho experiência pra relatar. O que uma obra de cob comum precisa é basicamente:

  • Lonas fortes 2x2m ou 3x3m (muito importante não serem finas pra não rasgar, quanto mais micras melhor)
  • Baldes resistentes, aqueles de inox são ótimos
  • Facões (para lapidar as paredes e cortar palha)
  • Tocos ou tábuas para cortar a palha
  • Peneiras (se tiver que penerar a terra por algum motivo)
  • Botas de PVC (pra pisar uma terra não-peneirada)
  • Pás (é excelente também ter pás de corte para a lapidação das paredes)
  • Enxadas
  • Níveis
  • Carrinho de mão
  • Luvas emborrachadas
  • Escadas e andaimes
  • Acesso a uma torneira de água bem ao lado da obra

Ao invés das “tradicionais” lonas, vocês podem investir em piscinas de plástico ou qualquer grande recipiente para misturar uma grande quantidade de cob de uma vez, pisoteando bastante a mistura bem molhada. Ela não vai poder ser aplicada no mesmo dia, mas assim que dar uma secada vai ter valido muito a pena e vai render mais do que as trabalhosas lonas…

Importante: certifique-se de que os materiais necessários para fazer o cob estarão BEM PERTINHO da obra e que tenham acesso a uma torneira de água no local. Se não, metade da obra vai virar carregar balde pesado.

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Trajetória na construção com terra (2012-2019)

Hoje foi um dia de relembrar meus percursos. É inevitável que isso aconteça quando se revira pastas com muitas fotos antigas. Da parte que conta como eu cheguei na permacultura (sendo que na época eu tinha 22 anos e trabalhava apenas com artes gráficas), essa foto é a primeira:

Foi nesse curso de cob do Instituto Arca Verde, em 2012, que eu conheci e me apaixonei por essa matéria. Até hoje esse lugar é a minha comunidade preferida, pois tenho carinho por ter me apresentado esse mundo. Eu saí de lá pensando que queria isso para a minha vida, mas como era bastante nova ainda queria viajar e ter outras experiências de vida. E quando viajei de fato, foi desse tipo de coisa que fui atrás:

Quem disse que eu iria ficar em Toronto (2013) e trabalhar numa empresa? No inverno, o mercado contrai e é um tanto difícil achar trabalho. Tive a sorte de achar a escola e atelier LucSculpture, que não era um lugar de cob e sim de esculturas de argila. Aprendi bastante lá e não perdi a contato com a terra mesmo estando numa metrópole. Esse lugar da foto é em alguma feira ecológica de lá que eles construíram uma pequena estrutura de cob. Eu queria trabalhar em alguma obra, mas no inverno eles páram por causa da neve. Eu tive que dar um jeito de me manter conectada a isso, e eis que:

Achei o livro The Cob Builders Handbook (Becky Bee) na internet e senti muita vontade de traduzi-lo. Consegui o e-mail da autora por um gesto de sorte, e ela me autorizou a traduzi-lo. Como meu trabalho era meio turno, utilizei meu tempo livre para unir o útil ao agradável: aperfeiçoar meu inglês (na época eu estava estudando para ser fluente) e aprender mais sobre cob ao mesmo tempo. Eu não sabia que esse meu impulso que perdurou ia me trazer tantas coisas boas e virar uma das coisas que mais já gostei de ter feito.

Eu voltei para o Brasil e só consegui traduzir e fechar o arquivo pra impressão em 2015. Ele foi lançado em julho pela Editora Deriva, que me ajudou muito para o livro acontecer (atualmente eu o autopublico). O lançamento foi no Café Bonobo, onde trabalhavam alguns amigos que também me ajudaram nesse momento. O livro teve uma ótima saída de vendas, e até hoje ele vende bem para uma publicação independente.

Ao mesmo tempo eu comecei um pequeno projeto para construir minha primeira estrutura de cob, a Toca. Ela foi construída em Maquiné, na terra desses mesmos amigos e que eu frequentava bastante. Nesse post tem mais fotos do processo, aqui eu coloco essa daqui que ilustra bem o resultado:

Ficou tão linda! Ao iniciar os trabalhos, eu achava que eu ia errar muito e aprender refazendo, mas me surpreendi com o quanto o cob é intuitivo. Deu tudo certo e não tive que refazer nada. Recomendo muito essa experiência de fazer algo pequeno antes de construir uma casa. A Toca é uma cabana de camping que não tem altura pra um adulto ficar em pé – cabem 3 ou 4 pessoas deitadas, e tem um anexo pra deixar as mochilas. Ficou uma casinha de hobbit que você pode chegar lá e dormir dentro, sem precisar montar barraca.

A pergunta mais comum que me fazem: quanto tempo levou para eu construir sozinha? É difícil de responder porque eu fui fazendo nos finais de semana e na medida que dava, sem pressa. Refleti um pouco sobre isso aqui. Eu tive ajuda de um amigo para serrar as madeiras pra fazer o telhado, e também cozinharam muito pra mim durante os trabalhos – o que faz toda diferença no ritmo. Escrevi aqui sobre a fundação de pedra sem cimento. Algo que vale a pena ressaltar é que, tirando as madeiras do telhado (que foram baratas), eu não gastei nem um centavo para construir a Toca: terra arenosa, argilosa, palha, pedras, tudo foi pego no local.

Em 2017 fui convidada para tocar uma obra de hiperadobe em Arraial d’Ajuda, na Bahia (projeto Jaçanã Pahab Joopek). Dentre os vários aprendizados, me marcou ver a presença das crianças na obra. Elas deram um banho nos adultos ao redor e fizeram acontecer no canteiro com produtividade e alegria ao mesmo tempo. Foi algo lindo de se perceber! Como era de se esperar, sentimos falta do cob e terminamos as últimas camadas da estrutura em cob, o que foi conveniente para acoplar o telhado sem complicações. Essa obra foi a Oca dos Remédios da Jaçanã!

Em 2018 eu saí do Rio Grande do Sul e fui viajar pelo Brasil para conhecer lugares permaculturais, trabalhar e quem sabe morar em algum deles. Por ironia da vida e motivos pessoais, eu acabei ficando em São Paulo capital – lugar que tem seus muitos outros atrativos. Antes de me estabelecer aqui, eu passei um tempo em Minas Gerais, onde fiz um curso de forno de cob com a Claudine do CruzinCobGlobal e fiz amizades com as quais iria trabalhar depois.

Em 2019 fiz parte do coletivo Moçabarro, ministrando cursos em parceria com as integrantes em Sapucaí-Mirim/MG (na casa da Naia). Nessa época eu comecei a entender que, das funções que uma pessoa pode se especializar na construção com terra, eu realmente amo a parte de ensino. Ao mesmo tempo, eu estava trabalhando numa empresa educacional em São Paulo (como designer gráfico) e percebi que invejava o trabalho dos professores, no bom sentido.

Outra descoberta dessa época, além do prazer em ensinar, foi sobre explorar possibilidades estéticas dos acabamentos de terra. Comecei a fazer experimentos no quintal da casa que morava, na zona oeste de SP.

Em 2020 veio a pandemia do coronavírus e pausei os trabalhos com bioconstrução, pois realmente fiz a quarentena e trabalhei como educadora (de inglês) online, me protegendo das contaminações. Me afastar por um tempo me fez depois perceber que eu realmente não consigo largar a construção com terra, por mais que muitas vezes eu quis para tentar uma vida mais segura com um salário garantido. Os empregos também me ensinaram e me fizeram conhecer pessoas importantes, mas no fundo eu sei que não são o meu caminho feliz. Precisamos de projetos para mudar e melhorar as estruturas sociais estabelecidas que são insustentáveis.

O restante ainda está por vir e vou atualizando! 🙂

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Revendo obras antigas

Hoje foi um dia de rever obras que fiz há anos atrás, e me surpreendi com uma que eu nem lembrava que havia feito. Essa em especial – que não tem nome, pois não sou chegada em nomear obras – tem muitos símbolos do que habitava meu mundo naquela época. Eu mudei bastante (o que os 30 anos não fazem?), mas ainda gosto desse desenho e especialmente aquele canteiro de abóboras, milho e um ser da terra se exibindo.

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Anotações sobre o tempo

Parte 1

“A pergunta que mais me fazem em relação à Toca é quanto tempo eu levei para construi-la. Costumava responder que a fiz em doses homeopáticas, indo construir em algum final de semana quando dava. Nisso deve ter ido um ano e meio.

Tenho pensado porquê o tempo importa tanto. Uma das melhores coisas que posso dizer sobre ter feito a Toca é que levou tanto tempo. O tempo dá forma às coisas. Quando eu chegava semanas depois para continuá-la, ela já não era a mesma de quando eu a havia deixado. Brotaram outros sonhos para cada detalhe. Muitas coisas passaram por ali graças ao tempo suavizado naquele espaço.

A mente é orquestrada pelo tempo sensorial. Ela quer que sua obra “fique pronta” em um mês, sendo que não tem controle sobre todas as circunstâncias e inesperadas surpresas que a natureza vai conjurar nem no dia seguinte. Ainda que você apenas utilize matérias naturais: se o trabalho for feito pra cumprir essa ilusão, ele vai gastar a sua energia ao invés de te alimentar.

O resultado pode ainda assim ficar bom, mas a alma de uma forma que é natural porque seu tempo de se formar também o foi, isso foi perdido. Essa alma teria sido muito visível.”

Texto: Melissa Webster

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Esculpindo espaços sagrados

“Um espaço sagrado é […] transparente à transcendência, e tudo dentro desse espaço fornece uma base para meditação […]. Quando você entra pela porta, tudo dentro desse espaço é simbólico, o mundo inteiro é mitificado. Viver em um espaço sagrado é viver em um ambiente simbólico onde a vida espiritual é possível, onde tudo ao redor de você fala sobre a exaltação do espírito. Esse é um lugar onde você pode simplesmente experienciar e criar o que você é e o que você pode ser. É um espaço de incubação criativa. A princípio você pode achar que nada acontece ali, mas se você tem um espaço sagrado e o usa, algo eventualmente vai acontecer. O seu lugar sagrado é onde você encontra-se repetidamente.” – Joseph Campbell, em The Temple in the House, por Anthony Lawlor, AIA.

cob-banheiro

Construir com cob é ser um artista esculpindo um espaço sagrado de terra – como expressão de uma jornada individual em direção à saúde e inteireza. Das primeiras ideias sobre uma casa de cob até o término de seu processo de construção, criar com cob é fazer um trabalho de arte pessoal e simbólico.

Quando eu e Ianto começamos o nosso primeiro anexo de cob em uma cabana de madeira, achamos que fazer o nosso próprio material de construção se tornou um processo sagrado. Adorávamos cavar solos argilosos cedo da manhã e construir no entardecer. O prazer e satisfação que senti em meu corpo foram parecidos com a sensação que tive quando era criança e esculpi meu primeiro pote de argila. Estávamos, de fato, esculpindo uma casa de verdade com as mãos. Nossas ferramentas eram simples: nossas mãos e pés. Não fazíamos ideia que trabalhar com argila dessa maneira se assemelharia tanto aos movimentos de um escultor, e que iríamos imediatamente e continuamente nos sentirmos escultores.

Uma de nossas primeiras experiências veio da questão: “Qual seria a maneira mais fácil de fazer uma janela redonda?”. Algo maravilhoso aconteceu quando percebemos que poderíamos colocar uma pedaço de vidro diretamente na parede e esculpir ao redor dele para criar a forma que quiséssemos. Esse é um processo muito diferente de construir um marco de madeira, e é realmente muito fácil.

Eu me dei conta que construir uma casa com argila foi tão simples e natural que eu não precisei ter tido experiências anteriores em carpintaria ou construção. Eu pude abordar isso como uma artista e como humana, com habilidade inata de criar um abrigo. A precisão requisitada para construção com madeira não foi necessária nesse estilo fluído de construir. Assim como cada humano, cada construção de cob é “única”, contendo as memórias, as mãos, os pés e as risadas de quem ajudou a construí-la. Construir com cob dá um grande senso de empoderamento que nos conecta com aquelas primeiras experiências que tivemos com argila na infância, e nos guia em direção a nos tornarmos escultores de nossos próprios ambientes sensíveis e naturais.


Tradução: Melissa Webster (EVANS, Ianto. SMILEY, Linda. SMITH, Michael G. The Hand-Sculpted House. Chelsea Green, 2002)

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Sobre plantas que acompanham seres daninhos

Costumamos chamar alguns vegetais de ervas-daninhas ou plantas invasoras. Muitas são comestíveis (as queridas PANCS), mas outras não. Todas, contudo, são vegetais extremamente importantes para a reparação de solos e, sobretudo, indicam qual a qualidade de um solo em determinado momento. Em vez de querer nos livrar delas, vamos aprender o que elas têm a ensinar.

Trevo (Oxalis Oregana)

Trevo (Oxalis Oregana)

Mais do que errado, o termo ervas daninhas é preconceituoso e baseado numa visão utilitarista. Repare, o termo daninhas já indica que elas são prejudiciais, perniciosas, que causam dano. Mas, elas causam mesmo? Na natureza não existe nada que cause dano. Felizmente só conseguimos falar de bem e mal, um discurso que envolve a moral, para questões humanas, e as plantas são vegetais. Nem bons, nem maus. Nunca daninhos, danosos. Só a partir desse raciocínio, o termo “erva daninha” já começa a parecer errado.

O termo ruderais é sinônimo de ervas-daninhas, mas sem esse juízo de valores em cima delas. Ruderal significa “planta que acompanha o homem”. Ou seja, onde o homem vai e desmata, queima, corta, lá vem as plantas ruderais para ocupar o solo. As plantas espontâneas, que nascem sozinhas.

Essas plantas têm a habilidade de deixar o ambiente sempre mais fértil, mais solto, mais úmido e mais rico em vida. Sempre. São aquelas que nascem onde nada mais nasce, e vão preparando terreno até que as plantas mais sensíveis possam nascer, seguidas de plantas maiores, até a reposição da vegetação.  Dessa forma, raramente você verá as plantas ruderais, “daninhas”, numa floresta com solo rico e fértil. Ali, elas não tem mais trabalho a fazer. Aliás, há sementes que ficam décadas no solo esperando o solo ficar compactado, seco, pobre e raso para brotarem. É o plano de saúde do solo. A esse “plano de saúde” natural damos o nome de banco de semente do solo. Se a terra fica doente, essas sementinhas entram em ação. E não, não estou inventando nada disso. Ana Primavesi já escreveu sobre isso.

Aí está a mágica! Certas plantas têm essa função na natureza, a de equilibrar, reestabelecer. Por exemplo, se o solo está muito compacto, a tendência é que nasçam plantas de raízes longas e profundas. Elas naturalmente descompactam o solo e o deixam fofinho, permitindo a entrada de água. Espécies não comestíveis como a vassourinha de botão e a guanxuma são terríveis de arrancar porque a raiz vai fundo na terra. Quando a planta morre, essas raízes viram túneis onde a água e a fertilidade penetram. E a terra vai afofando, afofando.

Fontes para mais informações: Guilherme Ranieri (autor do texto editado) / Blog Matos de Comer [link]

Blog Teia Orgânica [link]

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Adendo ao Manual dos Construtores de Cob

Esse texto contém as informações que senti vontade de complementar no livro “O Manual dos Construtores de Cob” (Becky Bee) enquanto o traduzia. Elas são baseadas nas minhas experiências pessoais e coisas que aprendi por fora, em cursos e conversas com outras pessoas que já bioconstruíram.

Em primeiro lugar, as justificativas da escolha desse livro para tradução: eu nunca conheci outro sobre construção com terra crua que tivesse uma linguagem tão acessível (não técnica demais) e que ao mesmo tempo fosse tão completo. Existe o “The Hand-Sculpted House” (Evans, Smith e Smiley), que pessoalmente considero uma obra de arte, completíssimo e um deleite de se ler. Ele é um ótimo livro de aprofundamento para ler depois do “O Manual dos Construtores de Cob”. Porém, é uma bíblia! Eu consegui autorização da Becky por e-mail para traduzir seu livro, e acho que com o outro não seria tão simples assim, pois envolve uma editora maior.

Outros motivos mais pessoas envolvem: o fato de ter sido escrito por uma mulher, pois sou entusiasta de todas as ações promovam o empoderamento feminino que foi reprimido nos últimos tempos; eu ter preferência pelo cob sobre as outras técnicas, porque eu o sinto muito mais familiar e intuitivo do que as outras; e falando em intuição, ela foi outro motivo da minha escolha.

Uma crítica que já escutei em lugares permaculturais é que o cob é uma técnica de bioconstrução muito demorada – por causa da espessura necessária para as paredes em comparação a uma parede de pau-a-pique com barro, por exemplo.

Na teoria isso tem seu fundo de verdade, mas eu acho que na prática pode não ser bem assim. Como me disseram uma vez, não faz muito sentido “colocar as técnicas na gaveta”. Na hora de bioconstruir, o que vai se utilizar é o que há disponível no local, e não é raro misturar materiais a ponto de já não ter mais um nome muito certo pra técnica da parede – e o cob é tão flexível que está facilmente sujeito a receber intervenções de outros materiais para “dar um gás”.

Vou falar da minha experiência com isso: a ideia inicial pra cabana de camping que estou construindo era ser inteiramente de cob. Na medida comecei a fazer, eu vi que cada mistura de cob que eu fazia rendia pouco – eu mal começava a subir a parede e já tinha que fazer mais misturas. Foi quando a Luciana, que estava construindo ao meu lado e tem bem mais experiência do que eu, comentou que na terra onde estávamos construindo fazia mais sentido construir com pedras – porque elas estavam literalmente por todos os lados.

Seguindo esse conselho, comecei a embutir muitas pedras no meio das paredes de cob (de modo que não se encostem, pra não criarem rachaduras internas), e isso fez uma enorme diferença no meu rendimento. Não faria mesmo sentido continuar fazendo apenas com a mistura de cob, virou “cob + pedra”. E é sobre isso o que eu mais quero falar nesse texto, porque esse é um ponto importante que a Becky não chega a comentar no livro, mas no “The Hand-Sculpted House” até ilustram:

cob-enchimento

Pode-se colocar “qualquer coisa” sólida no meio da parede de cob para economizar trabalho! Muitos antigos poderiam não dar a mínima pra essa informação, mas nós somos hoje cercados por coisas sólidas que vão parar num aterro (vulgo lixos). Ao invés de fazer isso, essas coisas podem parar no meio de paredes de cob – na maioria das vezes sem que apareçam por fora, pra não estragar o visual né. Mas tem que usar o bom senso, já vi gente se emocionando com isso e falando sobre colocar latinhas amassadas no meio do cob – isso provavelmente criaria bolhas de ar dentro da parede, que podem virar rachaduras. É melhor usar coisas mais seguramente sólidas.

Também já me contaram de uma construção que colocaram garrafas no meio da parede pra fazer enchimento, mas bem na base. Depois, o peso de toda a parede por cima fez com que as garrafas quebrassem. São coisas que tem que ser pensadas, sempre usando o bom senso e a observação. O que tem que cuidar, em todos os casos, é que esses objetos não se encostem para que o atrito entre eles não crie rachaduras internas na parede.

Esse é o ponto mais importante que eu queria agregar ao livro, porque faz muita diferença na hora de construir. Outra coisa que é interessante e economiza trabalho é usar mais de uma técnica em uma construção – por exemplo, cob para as paredes externas que suportam mais peso e pau-a-pique com barro para as paredes internas que apenas delimitam ambientes.

Mais um macete: construam paredes arredondadas (e não retas), na medida do possível. Eu li isso no livro e depois senti na prática. Paredes arredondadas são naturalmente mais fortes, e portanto podem ser mais finas, demandando menos misturas de cob. Além de, na minha opinião, serem muito mais bonitas, particularmente sinto muito mais confiança e sensação de conforto com uma parede que não é reta.

Outra coisa que eu acho maravilhosa com o cob é que não demanda necessariamente o levantamento de grandes vigas para apoiar o teto, o que é um fator importante para quem não tem máquinas, equipe e força física para isso. Levantar paredes apenas com as mãos, esculpindo em formas orgânicas é muito emocionante. Como tudo tem seu porém, o lado ruim é que precisa de muita lona pra tapar as paredes das chuvas, antes de grudar o teto em cima da última camada fresca de cob. Construir com sacos de terra comprimida também não demanda vigas, mas quem já fez me contou que precisa de força brutal pra comprimir a terra, que cansa muito.

Seguindo essas dicas (utilizar objetos como enchimento + paredes arredondadas + paredes internas mais finas), a construção com cob não vira uma coisa tão demorada como se diz. Esses são alguns dos meus pensamento atuais que me fazem ser entusiasta do cob. Vou atualizando esse post caso me lembre de mais.

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Construção da Toca (cabana de camping)

A ideia de construir a Toca me veio como uma solução para duas necessidades da época. Eu queria construir uma pequena estrutura de cob para colocar em prática o que eu estava estudando em livros, e assim me sentir preparada para construir uma casa depois. Como essa terra não tinha nenhuma casa na época, tínhamos que acampar e carregar muita tralha em função disso. Tive a ideia de construir uma cabana de camping para facilitar a nossa vida e iniciar a prática autoral do cob. Recomendo muito essa experiência antes de fazer uma casa!

Ela foi projetada para dormirem até 3 pessoas (2m x 1,5m internos na parte retangular). Tem um anexo em semicírculo ao lado esquerdo para armazenamento de mochilas e pertences (cerca de 1m de diâmetro).

Todos os materiais foram coletados no local (exceto madeira e lona pro telhado). As pedras eram meio arredondadas e difíceis de se encaixarem entre si na fundação, mas fiz o quebra-cabeça e não precisei usar cimento. A terra arenosa foi coletada próxima do rio, e a argilosa no subsolo ao redor. A palha usada foi de rabo-de-burro, muito forte e abundante nas redondezas.

A Toca foi uma obra de autoconstrução de uma pessoa (eu), que tinha 25 anos na época. Tive a ajuda de um amigo para serrar as ripas do telhado e colocá-las. Meus amigos me ajudaram muito fazendo comida, companhia, me incentivando e me levando até lá. Também rolou uma animação na hora de rebocar!

Acho interessante contar que, tirando o custo de algumas ripas de madeira e do sombrite barato, eu não gastei nenhum centavo na obra. A lona (de estufa) pro telhado verde foi doada por amigos de outra construção que sobrou.

Curiosidade: as ripas vermelhas da porta são de um cavalete da EPTC (moradores de Porto Alegre entenderão).

Depois de pronta, foram incríveis todos os momentos ali dentro. Um amigo já morou na Toca por meses, o que acho muito legal e gratificante. A terra se chama Teiú e é coletiva.

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o armário, única parte redonda da obra, está sendo meu canto preferido
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prateleiras tomando forma. obrigada, vic!
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Esse dia eu comecei a primeira camada de reboco (abaixo), que também é de terra. A partir de agora as paredes vão ficando mais lisas, mais acabadas. Eu acho que é a melhor parte de todas.
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Ainda não tinha colocado os beirais.
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Utilizei uns poucos vergalhões para ajudar a sustentar o arco sobre a futura porta e as costaneiras.
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O teto foi a única parte que eu tive que lidar com coisas retilíneas, e a única que tive que gastar dinheiro com os materiais.
toca015
Ia começar a grudar o forro sobre a última camada fresca das paredes (pra isso não precisa de pregos, só nos beirais!)
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Adorei essa foto.
toca013
Olhando de dentro.
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Como construir uma fundação de pedra sem cimento

Esse é um relato do que aprendi por experiência, com dicas que podem economizar o trabalho de iniciantes. Construir uma fundação somente com pedras requer paciência e gosto por um trabalho quebra-cabeça, pois o segredo é saber encaixá-las de modo que uma estabilize a outra. Aviso que as dimensões de fundação que eu vou sugerir é para sustentar obras pequenas (bancos, fornos, pequenos galpões, casas de cachorro, muros de jardim, etc). Se você quer construir algo como uma casa, você pode utilizar essa técnica, mas pesquise em livros de bioconstrução sobre as dimensões mais apropriadas.

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Detalhe da fundação da Toca

A fundação que terminei de construir vai sustentar uma pequena construção (apelidada por mim de Toca) que terá no máximo 1,50 metros de altura. A terra onde estou construindo, em Maquiné/RS, tem pedra pra todos os lados. Isso facilitou muito a minha vida, pois teria sido árduo ficar carregando pedras em distâncias consideráveis até o local de construção. Se você quer construir com pedras, recomendo que faça isso onde elas estejam bem próximas – ou você pode comprá-las, e eles vão entregar até onde houver acesso à estrada. Em todos os casos, tenha um carrinho de mão para te ajudar.

O fato de estar cercada por pedras não foi o único motivo que me fez optar por esse material – fundações de pedras são lindas. Eu, pelo menos, nunca vi uma que fosse feia. Pedras empilhadas sobre o solo têm uma aparência muito natural e podem durar “pra sempre” (em tempos humanos). Se você tiver acesso local a boas pedras, é possível que não gaste um centavo com sua fundação. Mas isso tem um outro tipo de preço: você vai ter que aprender a entrar no ritmo das pedras. Se você é acostumadx com o ritmo da cidade, pode ser difícil no início. Mas se é realmente o que quer, persista.

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Antes de começar, considere:

Você vai trabalhar com elementos geológicos que levaram eras para ter esse formato e estarem onde estão. As pedras são lentas, não gostam de pressa e não vão se ajustar às suas expectativas de tempo, a não ser que você as modifique em formatos mais quadrados e previsíveis. De qualquer maneira, sinta-se gratx com elas e não brigue. Enquanto estiver tentando encaixá-las, você vai ver que isso não é só papo meu.

Depois de passar por momentos difíceis com elas, aprendi que para construir uma base sólida apenas com pedras deve-se vigiar qualquer inquietude da mente durante o processo (caso ela exista, como no meu caso que tinha uma pressa sem fundamento). O trabalho de encaixar pedras de maneira que uma dê estabilidade à outra flui muito melhor com calma e concentração.

E por favor, não vá construir uma fundação abaixo de um sol de verão como eu fiz. Escolha um local com sombra, que tenha árvores para amarrar lonas ou trabalhe durante uma meia estação.

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Agora sim! Passo-a-passo prático:

Então você tem acesso às pedras e tem certeza que quer usá-las para sustentar sua obra. Já é um passo. Você tem as ferramentas necessárias? Não precisa de muitas: eu usei apenas um carrinho de mão e uma enxada (uma pá ajuda também). Se você não está construindo sozinhx, pode ser bom ter mais de um de cada.

Escolha um local onde a água da chuva não acumule. Ou seja, não construa num “buraco”. Dê preferência a lugares planos e mais altos que os arredores. Se você construir sobre um declive, vai ter que fazer um nível antes (pesquise sobre como fazer isso direito). Prefira também uma terra mais firme, para ter menos trabalho batendo o solo (isso cansa muito). Considere a possibilidade de fazer uma vala de drenagem ao redor, se necessário.

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Vala de fundação (do blog Canadian Dirtbags)

O primeiro passo é cavar a vala para assentar a fundação. Planeje bem a largura dela. Hoje eu gostaria de ter feito um pouco mais larga do que fiz a minha, pois à medida que você sobe a fundação, a tendência é que afunile pelo menos um pouco. Considere que a largura do topo do fundação vai definir a largura da base da parede. Então, sabendo a largura que a base da sua parede terá, você já sabe que é melhor cavar a vala um pouco mais larga do que isso.

Uma dúvida comum é o quão fundo cavar a vala. Isso vai depender do porte da sua obra. Como a minha é pequena, eu cavei apenas uns 25cm e derramei uma camada fina de pedras pequenas por cima do solo já batido (para ajudar na drenagem). Mas se o que você está construindo é do tamanho de uma casa, certamente é melhor cavar mais fundo e investir mais em drenagem. Você pode encontrar informações mais detalhadas no livro The Cob Builders Handbook (por Becky Bee), disponível na internet em inglês, ou outro livro a respeito. Vou me focar mais em explicar como fazer a fundação só no encaixe das pedras, pois é sobre isso que não há muito material.

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Coisas para adiantar ao cavar a vala:

– Deixe por perto a terra que você cavou. Se você peneirá-la, pode extrair pequenas pedras para cobrir o fundo da vala (isso ajuda na drenagem). Ela também pode servir para fazer paredes de cob/barro (exceto a camada superficial do solo, que não costuma ser boa para construção).

– Desde o início, separe em um balde todas as pedras pequenas/médias em formato de cunha ou triangulares que encontrar. Elas vão ser muito valiosas quando você estiver encaixando as pedras maiores.

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A vala está pronta? O próximo passo é trazer as pedras para o entorno da obra. A lógica é a seguinte: nas primeiras camadas da fundação, você vai utilizar as maiores pedras que tiver. À medida que vai subindo, o tamanho das pedras vai diminuindo (não obrigatoriamente, mas tende a ser assim). Então,  se você dispor as pedras ao redor da sua vala em ordem decrescente de tamanho, vai facilitar sua vida. Deixe um espaço entre as valas e as pedras para poder se locomover com conforto.

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Miniatura de casa de cob

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Fiz essa miniatura de argila imaginando como faria minha casa. Não faria mais dessa maneira exatamente, mas ainda gosto dessa peça 🙂

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